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TEXTO DE JACI MATTOS

 

MOTIVAÇÕES

 

Quando eu era criança nutria verdadeiro pavor pelas chuvas fortes (tempestades). O efeito da mistura chuva/vento/trovão, em mim, podia ser devastador. Na minha cabeça, a imagem constante era a de casas desabando e lama escorrendo pelos morros, levando consigo muitas vidas.

Ao me tornar adulta, pude compreender que o meu temor se devia à preocupação com os desastres que ocorriam nas moradias das favelas e encostas durante as chuvas – notícias que eu acompanhava através da televisão – e reconheci que aquela situação me trazia uma acentuada inquietação.

Passei a canalizar essa inquietação na produção de obras plásticas que traduzissem aquelas imagens que me afligiam.

Usando lascas de madeira compensada impregnadas de memória – já que são coletadas em lixões e refugos da construção civil – diretamente na tela, procuro imprimir o caráter de efêmero, inacabado e precário, características inerentes àquelas construções.

Proponho certa semelhança com os barracos, ao definir uma composição que prima pela organização vertical/horizontal, o que a aproxima visualmente das construções originais. Além disso, busco transmitir um caráter subjetivo ao sugerir a presença humana na imagem que tento materializar. Vermelhos traduzem sangue (vida pulsante, sofrimento e dor), cicatrizes, costuras e as feridas que o próprio material alude, tentam criar uma analogia entre o corpo da cidade e o corpo humano – sendo que um não está dissociado do outro - para lembrar as mazelas de uma cidade doente, cujos principais sintomas são: êxodo rural, desemprego, falta de acesso à moradia e violência. Os abrigos precários que se “equilibram” nas encostas e se multiplicam sob as marquises e viadutos, são chagas que nunca cicatrizam, pois estão em constante movimento, migrando e se adensando em algumas regiões, e rebrotando em locais antes contidos.

Ao me apropriar do material, trabalho no suporte pretendido de forma a enfatizar a rudeza de suas propriedades matéricas, destacando as feridas recidivas e em carne viva de uma Salvador perdida e dilacerada num intenso processo de urbanização.

A intenção é provocar o observador com o intuito de que o mesmo possa compartilhar a exteriorização dos conflitos gerados pela percepção e reflexão temática.

JACI MATTOS

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